A Itália e seus filhos no mundo
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A Itália e seus filhos no mundo
O valor constitucional da diáspora
A Constituição Italiana não é apenas um texto normativo, é uma declaração de pertencimento.
Ela nasce da convicção de que a República é feita de pessoas, de memória e de cultura.
É nesse sentido que o direito à cidadania ultrapassa a fronteira jurídica e se transforma em expressão da identidade italiana espalhada pelo mundo.
Os italianos emigraram em busca de trabalho, liberdade e futuro, mas nunca deixaram de ser italianos.
A diáspora é parte da história constitucional da Itália — não um apêndice.
E é por isso que qualquer tentativa de restringir o ius sanguinis é também uma tentativa de reduzir o próprio significado da nação.
A Constituição de 1948 e o princípio da continuidade
A Constituição de 1948 foi escrita sobre os escombros de um país dividido e devastado pela guerra.
Seus fundadores sabiam que a Itália não se limitava ao território entre os Alpes e a Sicília.
Milhões de italianos viviam fora do país, reconstruindo suas vidas na América, na Europa e na Austrália, mas permanecendo ligados à língua, à cultura e à identidade de origem.
O artigo 9 da Constituição consagra o dever da República de promover a cultura italiana e proteger o patrimônio histórico, mesmo fora de suas fronteiras.
Esse artigo é a base moral do ius sanguinis: o reconhecimento de que a italianidade é um valor transnacional, herdado e cultivado de geração em geração.
Negar esse princípio é negar a própria razão de ser da Constituição.
A diáspora como fato histórico e jurídico
A diáspora italiana não foi uma escolha política, foi uma necessidade social.
Entre o final do século XIX e o início do XX, mais de 26 milhões de italianos deixaram o país.
Eles levaram consigo o idioma, os costumes e a fé na Itália que ainda estavam construindo.
Esses fluxos migratórios criaram uma comunidade global que continua a projetar o nome da Itália em cada continente.
O legislador constituinte tinha consciência desse fenômeno.
Por isso, o sistema de cidadania foi concebido para reconhecer os descendentes como parte da continuidade do povo italiano, mesmo que nascidos em outros territórios.
A cidadania iure sanguinis não é uma exceção histórica, é o reflexo jurídico da identidade nacional.
A cidadania como vínculo de pertencimento
A cidadania é o nome jurídico do pertencimento.
Ela não serve apenas para garantir direitos civis, mas para afirmar que existe uma ligação permanente entre o indivíduo e o Estado.
No caso italiano, essa ligação é mais profunda: é o elo entre o presente e o passado da nação.
O cidadão iure sanguinis é o herdeiro jurídico da ideia de Itália.
Não se trata de um benefício, mas de uma responsabilidade histórica — continuar sendo parte de um país que se estende além de suas fronteiras físicas.
Quando o Parlamento tenta restringir esse vínculo, age contra a essência republicana.
A Constituição reconhece a cidadania como direito inviolável, justamente porque ela expressa a dignidade e a continuidade do povo.
O papel simbólico da diáspora
A diáspora é a extensão viva da República.
Em cada família italiana no exterior há uma história de resistência, reconstrução e lealdade.
Essas comunidades preservaram tradições, mantiveram o idioma, criaram escolas, associações, igrejas e redes de apoio que ainda hoje sustentam o nome da Itália fora de suas fronteiras.
A Constituição reconhece, implicitamente, esse papel simbólico.
Ela não fala apenas do cidadão residente, mas do cidadão que participa da vida italiana de outras formas — culturalmente, economicamente e emocionalmente.
A ideia de "italianos no mundo" não é retórica diplomática, é realidade constitucional.
Por que o ius sanguinis é coerente com a República
O ius sanguinis é o único instrumento capaz de unir o país à sua diáspora de forma legítima e constitucional.
Ele traduz o valor da continuidade histórica e da solidariedade entre gerações.
Limitar esse direito sob o argumento de "vínculos efetivos" é ignorar o que o vínculo realmente significa: pertencimento à comunidade cultural e moral italiana.
A República não é feita apenas de território, mas de pessoas que compartilham uma mesma herança de valores.
E essa herança não se perde porque alguém nasceu em São Paulo, Buenos Aires ou Nova York.
A cidadania iure sanguinis é, portanto, o elo constitucional entre a Itália e seus filhos no mundo.
A responsabilidade da Corte Costituzionale
A Corte Costituzionale tem agora a oportunidade de reafirmar que a italianidade é mais do que uma questão de residência.
É um laço jurídico e moral protegido pelo artigo 22 da Constituição, que proíbe qualquer forma de privação arbitrária da cidadania.
Ao julgar a constitucionalidade da Lei 74/2025, a Corte não decidirá apenas sobre um artigo legal, mas sobre o próprio sentido do que é ser italiano.
Se reconhecer o valor da diáspora, reafirmará a coerência da República com seus princípios fundadores.
Se não o fizer, abrirá um precedente perigoso de exclusão e descontinuidade.
A cidadania como espelho da identidade nacional
Nenhuma nação moderna pode se dar ao luxo de negar sua própria história.
A Itália deve reconhecer que seus filhos no mundo são parte essencial da sua identidade.
A cidadania não é concessão, é reconhecimento.
E reconhecer é um ato de justiça, não de política.
Ao proteger a cidadania iure sanguinis, a Corte estará preservando o espelho moral da República — a ideia de que a Itália é maior que suas fronteiras e mais duradoura que suas crises.
Conclusão
A diáspora é a alma expansiva da Itália.
Cada sobrenome italiano no exterior é uma extensão da sua história, um fragmento da sua cultura e um testemunho do seu espírito republicano.
Negar esse pertencimento é amputar parte da nação.
Defendê-lo é cumprir o dever constitucional de proteger a identidade e a continuidade do povo italiano.
A cidadania iure sanguinis é o instrumento jurídico que mantém viva essa ponte entre gerações.
É o fio que costura a história e impede que o tempo apague o que a Constituição quis perpetuar: a unidade de todos os italianos, dentro e fora da Itália.
Por Mariane Baroni
Advogada especializada em Direito Internacional e Constitucional
Diretora Jurídica da Master Cidadania
Autora da série "Você sabe exatamente o que está sendo discutido?", dedicada a traduzir o debate constitucional italiano em linguagem acessível, sem perder o rigor técnico.
A série integra o projeto "A Constituição e a Cidadania", que resultará no e-book homônimo a ser lançado após o julgamento da Corte Costituzionale Italiana.
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