DDL 1450 e o pânico desinformado: o que está realmente em jogo na cidadania italiana

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DDL 1450 e o pânico desinformado: o que está realmente em jogo na cidadania italiana

O ruído midiático e a anatomia do medo

Nas últimas semanas, o debate sobre cidadania italiana voltou a ocupar as manchetes de forma alarmista. Jornais, portais e influenciadores divulgaram que um novo projeto de lei em discussão no Parlamento italiano poderia levar milhões de ítalo-descendentes a perder a cidadania já reconhecida. As palavras de ordem foram as de sempre: “perda automática”, “revisão retroativa”, “fim da cidadania por sangue”.

O estopim da nova onda de desinformação foi o Disegno di Legge n. 1450/2025, apresentado em abril no Senado italiano. Em meio a uma narrativa de urgência e de pânico coletivo, faltou o essencial: a leitura técnica.

Antes de tudo, é preciso distinguir fato de especulação. O DDL 1450 é uma proposta legislativa, não uma lei. Está em fase inicial de tramitação, sem aprovação em comissões e sem calendário definido para deliberação. Além disso, seu conteúdo está intrinsecamente vinculado à Lei n. 74/2025, oriunda do Decreto-Lei n. 36/2025, cuja constitucionalidade está sob exame da Corte Costituzionale.

Ou seja, discute-se agora um projeto que ainda não tem fundamento de validade garantido, pois sua base normativa pode ser anulada a qualquer momento.

O que se observa é um fenômeno recorrente: a mídia, especialmente fora da Itália, prefere explorar o medo à análise jurídica. No Brasil, onde vivem mais de 30 milhões de descendentes de italianos, o tema da cidadania desperta paixões e ansiedade. Basta um título sensacionalista para reacender dúvidas, gerar insegurança e paralisar processos legítimos. É nesse contexto que se faz necessário reposicionar a discussão, com serenidade técnica e rigor jurídico.

A base estrutural: o que a Lei 74/2025 realmente mudou

Para compreender o DDL 1450, é preciso primeiro entender o terreno sobre o qual ele pretende se erguer. A Lei n. 74 de 23 de maio de 2025, que converteu em lei o Decreto-Lei n. 36 de 28 de março de 2025, foi o primeiro grande movimento do governo italiano para restringir o modelo histórico da cidadania por descendência (ius sanguinis).

A lei trouxe alterações profundas, entre elas:

  1. Condicionamento da transmissão para menores nascidos no exterior.
  2. Introdução de requisitos de residência legal e continuidade.
  3. Restrição de meios de prova.
  4. Inversão do ônus da prova.
  5. Elevação de taxas e prazos processuais.

1. Condicionamento da transmissão para menores nascidos no exterior

O reconhecimento deixou de ser automático. O menor passa a depender de declaração de vontade dos pais ou tutores, acompanhada de requisitos formais. Essa mudança rompe com a tradição secular da cidadania originária, que se transmitia automaticamente pelo vínculo de sangue, independentemente de formalidades.

2. Introdução de requisitos de residência legal e continuidade

O texto estabelece que certos atos de aquisição da cidadania exigem residência legal e ininterrupta em território italiano por determinado período. Essa cláusula territorial foi interpretada por muitos juristas como um desvio do modelo constitucional, que não condiciona o direito de cidadania à presença física na Itália.

3. Restrição de meios de prova

A lei dificultou a demonstração do direito ao determinar que a comprovação deve se basear em documentos oficiais e registros públicos, limitando a possibilidade de uso de testemunhas ou juramentos. Essa limitação afeta especialmente famílias com documentação antiga, em especial nos casos de registros incompletos, extraviados ou manuscritos.

4. Inversão do ônus da prova

Quem busca o reconhecimento da cidadania passa a ter de provar a inexistência de causas impeditivas ou de perda. Esse movimento inverte a lógica do sistema anterior, em que bastava demonstrar o vínculo de sangue ininterrupto com o ascendente italiano.

5. Elevação de taxas e prazos processuais

A taxa consular passou de 300 para 600 euros, e o prazo para conclusão administrativa foi fixado em até 48 meses. Embora justificada sob o argumento de eficiência, a medida consolidou uma política restritiva e burocratizada, afastando o cidadão comum do exercício de um direito originário.

Em síntese, a Lei 74/2025 representou uma inflexão institucional: o deslocamento da cidadania de um direito natural e imprescritível para uma faculdade concedida mediante cumprimento de requisitos administrativos. Foi um movimento de ruptura com a tradição do ius sanguinis puro, transformando o pertencimento em benefício condicional.

O DDL 1450: o passo seguinte e seus excessos

O DDL 1450 surge, oficialmente, como continuação lógica dessa política. Seu texto altera diversos artigos da Lei n. 91/1992, o principal diploma sobre cidadania italiana, propondo uma reestruturação ainda mais severa.

Entre os pontos mais relevantes estão:

1. Restrição à cidadania por nascimento.

O artigo 1-bis introduzido pelo DDL estabelece que o filho nascido no exterior de pais também nascidos fora da Itália não é cidadão italiano por nascimento se possuir outra nacionalidade e se seus pais não tiverem residido em território italiano por ao menos dois anos antes do nascimento.

Essa cláusula cria uma barreira generacional: corta a linha sucessória da cidadania após duas gerações de italianos nascidos no exterior sem retorno à Itália. Trata-se de uma forma disfarçada de limitação geracional, jamais admitida formalmente pela Constituição.2

2. Adoção e equiparação restritiva.

O mesmo raciocínio é aplicado aos filhos adotivos. Se os adotantes nasceram no exterior e não residiram na Itália por pelo menos dois anos, o adotado não adquire a cidadania. A lógica é a mesma: enfraquecer o princípio da continuidade familiar.

3. Perda da cidadania por ausência de vínculos efetivos.

O artigo 11-bis é a cláusula mais polêmica. Ele prevê que o cidadão italiano nascido fora da Itália e possuidor de outra nacionalidade perderá a cidadania italiana caso não mantenha “vínculos efetivos com a República” por um período mínimo de 25 anos.

Esses vínculos são definidos de maneira vaga, incluindo o “exercício de direitos e o cumprimento de deveres decorrentes da cidadania”. Na prática, abrem-se brechas para interpretações subjetivas: votar, manter cadastro atualizado, registrar filhos e até viajar periodicamente à Itália podem ser tomados como “provas de vínculo”.

A ausência desses elementos, por outro lado, pode ser usada como presunção de desinteresse — o que cria um cenário de cidadania sob vigilância permanente.

4. Presunção de renúncia.

O projeto estabelece que a residência em território italiano por menos de dois anos implica presunção de renúncia à cidadania. É uma ficção jurídica: presume-se a vontade de desistir de um direito imprescritível a partir de um dado de residência, sem manifestação expressa.

5. Proibição de prova testemunhal e de juramento.

O artigo 23-bis elimina expressamente essas formas de prova nos processos de cidadania. É uma negação frontal ao princípio constitucional da ampla defesa e ao direito à verdade material, especialmente em casos em que os registros civis são antigos ou foram destruídos.


6.Elevação da taxa consular.

O valor sobe novamente, de 600 para 700 euros, revelando a lógica arrecadatória do projeto e afastando o caráter de direito e pertencimento, transformando a cidadania em produto administrativo.

DDL 1450 versus Lei 74/2025: redundância normativa e risco de nulidade de origem

Ao examinar o texto integral do Disegno di Legge n. 1450, o primeiro ponto que salta aos olhos é sua falta de originalidade jurídica. Quase todos os dispositivos propostos já encontram paralelo direto na Lei n. 74/2025, seja de forma literal, seja sob outra redação.

O que o DDL faz não é inovar, mas endurecer um modelo que ainda sequer foi validado constitucionalmente.

Para compreender o alcance disso, vale uma leitura comparada ponto a ponto.

1.Transmissão por descendência: o mesmo espírito restritivo

A Lei 74/2025 já havia deslocado o eixo da cidadania por descendência, substituindo a presunção de direito natural por um modelo de concessão condicionada.

O DDL 1450 apenas leva esse raciocínio ao extremo.

Na Lei 74/2025: a cidadania para filhos menores nascidos fora da Itália deixou de ser automática, exigindo manifestação formal de vontade dos pais e cumprimento de requisitos de registro.

No DDL 1450: o legislador avança, introduzindo uma limitação geracional. Filhos de pais também nascidos no exterior deixam de ser italianos por nascimento se seus pais não tiverem residido por dois anos consecutivos na Itália antes do nascimento.

Em essência, o DDL transforma o que era uma restrição processual em uma negação de princípio. O direito iure sanguinis passa a depender não apenas de formalidade administrativa, mas de histórico de residência anterior. É a criação, por via indireta, de um limite de gerações, algo que a própria Lei 74/2025 evitou declarar abertamente.

A redundância é evidente, mas acompanhada de um agravamento conceitual: enquanto a Lei 74 regula o acesso, o DDL restringe a origem.

2.Adoção: duplicação com acréscimo discriminatório

O mesmo se observa no campo da adoção. A Lei 74/2025 já havia introduzido formalidades adicionais para o reconhecimento da cidadania de menores adotados, exigindo comprovação documental mais rigorosa. O DDL, entretanto, vai além e insere o mesmo critério territorial de residência dos adotantes, repetindo a fórmula do artigo 1-bis.

Assim, o legislador propõe uma desigualdade inédita: dois filhos reconhecidos como italianos podem ser tratados de forma diferente apenas porque seus pais nasceram em lugares distintos.

É uma reedição da discriminação territorial já condenada pela jurisprudência constitucional italiana, que, desde a Sentenza n. 30/1983, afirma que a cidadania é expressão da continuidade familiar, não da geografia.

3.Meios de prova: repetição literal e endurecimento indevido

Tanto a Lei 74/2025 quanto o DDL 1450 eliminam a possibilidade de juramento e limitam a prova testemunhal.

No entanto, o DDL consagra a proibição de forma expressa no novo artigo 23-bis, declarando que “em matéria de cidadania não são admitidos o juramento e a prova testemunhal”.

A diferença está no grau.

A Lei 74 restringe o uso; o DDL o proíbe absolutamente.

É um movimento técnico que elimina qualquer margem de apreciação do juiz e anula a possibilidade de reconstruir genealogias antigas por meios probatórios legítimos.

Essa cláusula afronta diretamente o artigo 24 da Constituição, que assegura o direito à defesa em todas as fases do processo, e o princípio da busca da verdade material no processo civil.

Em termos legislativos, portanto, o DDL não cria um novo sistema probatório, apenas radicaliza uma limitação já questionável.

4.Prazos e execução de sentenças: duplicação normativa

Outro ponto de sobreposição está na fixação de prazos para conclusão dos procedimentos e cumprimento das decisões judiciais.

A Lei 74/2025 já havia introduzido prazos administrativos para análise dos pedidos de cidadania e determinado que o Ministério do Interior deveria implementar mecanismos de controle de eficiência.

O DDL apenas repete essa estrutura, definindo 48 meses para o reconhecimento administrativo e 12 meses para execução judicial.

Do ponto de vista da técnica legislativa, é uma redundância: a matéria já se encontra disciplinada.

Além disso, a tentativa de reimpor prazos por lei sem que a anterior tenha sido testada revela ansiedade legislativa e ausência de avaliação de impacto regulatório, violando o princípio de boa administração previsto no artigo 97 da Constituição.

5. “Vínculos efetivos” e perda da cidadania: o novo e o inconstitucional

Aqui está o verdadeiro ponto de inflexão do DDL 1450.

A ideia de “vínculo efetivo com a República” aparece timidamente na Lei 74/2025, em menções genéricas a engajamento cívico e manutenção de cadastros.

Mas o DDL a transforma em critério determinante de perda de cidadania.

O artigo 11-bis estabelece que o cidadão italiano nascido no exterior e possuidor de outra cidadania perde a italiana se, ao longo de 25 anos, não mantiver tais vínculos.

A norma presume automaticamente a falta de vínculo se o nascimento não for transcrito até os 25 anos de idade, admitindo prova contrária apenas por documentos públicos.

Esse dispositivo inaugura, na prática, um regime de cidadania condicional e revogável.

A cidadania italiana deixa de ser um status permanente e passa a depender de comprovação periódica de engajamento.

Isso contraria frontalmente a interpretação consolidada da Corte Costituzionale, que na Sentenza n. 142/2025 reafirmou que o ius sanguinis constitui direito originário, personalíssimo e imprescritível, vinculado à dignidade humana e à continuidade histórica da nação.

Ao criar a figura da “perda por omissão de vínculo”, o DDL invade território que a Constituição protege com clareza: o artigo 22 veda a privação da cidadania por razões políticas ou ideológicas.

O “vínculo efetivo” é uma noção política, não jurídica.

Portanto, o artigo 11-bis não apenas repete o espírito da Lei 74/2025, mas expõe de forma explícita o que a lei anterior insinuava: a tentativa de redefinir a cidadania como concessão estatal e não como direito originário.

6. Presunções e retroatividade

Outro ponto de sobreposição crítica é a presunção de renúncia prevista no artigo 13, parágrafo 2-bis.

A Lei 74/2025 já havia previsto que a perda ou renúncia poderiam ser declaradas em casos de ausência prolongada, mas o DDL transforma a hipótese em presunção automática, baseada exclusivamente na duração da residência.

Além disso, o DDL indica efeitos retroativos, atingindo situações anteriores à sua entrada em vigor, o que viola diretamente o princípio da irretroatividade das leis restritivas de direitos.

O Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE) já emitiu parecer oficial apontando a violação dos princípios de igualdade, irretroatividade e segurança jurídica, considerando o DDL “um passo atrás de um século” em relação ao espírito da Constituição de 1948.

7. Avaliação final da comparação

Em resumo:

Tema Lei 74/2025 DDL 1450 Situação jurídica
Transmissão a menores Restrição e formalização Corte geracional (residência dos pais) Redundante e agravado
Adoção Formalidades adicionais Inclusão de restrição territorial Redundante e discriminatório
Meios de prova Limitação Proibição absoluta Violação do art. 24 Const.
Prazos 48 meses administrativos Repetição literal Inovação nula
Perda por vínculo Genérica Específica e automática Inconstitucional
Presunção de renúncia Indireta Expressa e retroativa Violação do art. 25 Const.
Taxa consular €600 €700 Aumento arrecadatório sem base legal

A impropriedade jurídica e institucional da tramitação do DDL 1450

O vício de origem: legislar sobre base normativa sob controle de constitucionalidade

1. A primeira impropriedade do DDL 1450 está em sua origem.

O projeto se constrói inteiramente sobre dispositivos introduzidos pela Lei 74/2025, que, por sua vez, alterou substancialmente a Lei 91/1992.

Essa mesma lei está sob exame da Corte Costituzionale, a partir da Ordinanza n. 167/2025 do Tribunal de Torino, que submeteu à Corte a questão da legitimidade do artigo 3-bis, incluído pela reforma de 2025.

O artigo 3-bis é o núcleo do atual contencioso constitucional. Ele estabelece critérios de limitação para o reconhecimento da cidadania por descendência, transformando um direito originário em benefício dependente de prova de vínculo e de legitimidade intergeracional.

É justamente sobre esse conceito que o DDL 1450 se apoia, expandindo-o e radicalizando-o em diversos dispositivos.

Dessa forma, o DDL 1450 se assenta sobre um fundamento normativo ainda não consolidado.

Se a Corte vier a declarar inconstitucional o artigo 3-bis ou parte substancial da Lei 74/2025, o projeto automaticamente perde objeto, pois sua estrutura se baseia em conceitos que seriam juridicamente inexistentes.

Em termos técnicos, trata-se de um caso de “difetto de presupposto normativo”, ou seja, um vício de validade derivado da ausência de suporte jurídico.

A consequência é direta: uma lei não pode se apoiar em outra cuja constitucionalidade está sob exame. É o mesmo que construir um edifício sobre um terreno que ainda não se sabe se é sólido ou se será desapropriado.

2. O princípio do autolimite legislativo

A Constituição italiana, embora não explicite expressamente o princípio de prudência legislativa, o reconhece implicitamente por meio da separação funcional dos poderes e da jurisprudência da própria Corte.

Diversas decisões, entre elas as Sentenze n. 107/2012, 10/2015 e 245/2019, reafirmam que o Parlamento deve exercer autolimitação quando há pendência de juízo de constitucionalidade sobre matéria correlata.

O chamado autolimite legislativo é a consciência institucional de que o poder legislativo deve aguardar a palavra do juiz constitucional antes de alterar ou ampliar um dispositivo cuja validade está sendo discutida.

Isso não é submissão, é respeito à arquitetura constitucional.

O Parlamento tem liberdade política, mas não pode agir de forma a prejudicar a eficácia do controle de constitucionalidade nem a tornar inútil o trabalho da Corte.

Ao avançar com o DDL 1450 enquanto o julgamento da Corte ainda está pendente, o Parlamento italiano cria uma situação de sobreposição de poderes, tensionando o equilíbrio institucional.

Se a Corte declarar a inconstitucionalidade da Lei 74/2025, o DDL 1450 será atingido antes mesmo de nascer.

Se, ao contrário, a Corte confirmar a constitucionalidade parcial, o Parlamento poderá retomar o debate de modo coerente com a decisão e dentro dos limites interpretativos fixados.

Por isso, a tramitação agora é juridicamente prematura e institucionalmente imprudente.

3. O risco de duplicação do vício constitucional

Outro ponto de relevância é o risco de reiterar o mesmo vício de constitucionalidade.

Caso a Corte declare que os dispositivos da Lei 74/2025 violam princípios fundamentais — como igualdade, irretroatividade, proporcionalidade e unidade do status civitatis —, qualquer tentativa de reintroduzir as mesmas restrições em outro texto normativo configura reprodução do vício.

O artigo 136 da Constituição e o artigo 30 da Lei 87/1953 são claros: uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma norma, essa decisão vincula o legislador, que não pode reproduzir o conteúdo declarado ilegítimo sob outra forma.

Portanto, o DDL 1450 corre o risco de nascer morto, pois repete e amplia exatamente o conteúdo que está sendo questionado.

A Corte, em inúmeros precedentes, tem rechaçado tentativas de “legislação reflexa”, quando o Parlamento tenta contornar a declaração de inconstitucionalidade reintroduzindo o mesmo efeito por meio de outra norma.

É o que aconteceu nos casos Sent. n. 50/2015 e Sent. n. 240/2020, quando a Corte invalidou novamente dispositivos que reproduziam, sob nova redação, o mesmo vício substancial anteriormente reconhecido.

Em síntese, o DDL 1450 incorre no que a doutrina denomina “reiterazione del vizio costituzionale”, que nada mais é do que a repetição de um erro jurídico sob outro nome.

4. A instabilidade jurídica e o impacto internacional

A tramitação do DDL 1450 em paralelo ao julgamento constitucional gera um efeito colateral de grande relevância: instabilidade internacional da cidadania italiana.

Enquanto o modelo jurídico permanece indefinido, o Estado italiano envia sinais ambíguos à comunidade internacional e às suas próprias comunidades no exterior.

Para milhões de cidadãos reconhecidos — muitos deles nascidos fora da Itália, mas plenamente italianos segundo o ordenamento vigente —, a mera discussão de um projeto como o DDL 1450 gera insegurança jurídica e diplomática.

O que está em jogo não é apenas o direito civil individual, mas a credibilidade do Estado italiano ao reconhecer e manter sua própria cidadania.

Do ponto de vista diplomático, o DDL contraria o espírito do artigo 3 da Constituição, que garante igualdade entre todos os cidadãos, e também o artigo 48, que assegura o direito de voto aos italianos residentes no exterior, justamente como forma de preservar o vínculo com a República.

É paradoxal que o mesmo Estado que concede representação parlamentar aos italianos fora da Itália — com deputados e senadores eleitos pela circunscrição Estero — discuta uma lei que possa privá-los da própria cidadania por suposta falta de vínculo.

A mensagem institucional é contraditória: o Estado que reconhece o cidadão como parte de seu corpo político ameaça retirá-lo do corpo jurídico.

5. A dimensão política da impropriedade

A discussão do DDL 1450 neste momento revela também um aspecto político que não pode ser ignorado.

Ao colocar em debate uma proposta restritiva enquanto a Corte ainda delibera sobre a validade da lei anterior, o Parlamento busca antecipar o resultado judicial por meio da pressão legislativa.

Essa estratégia cria um efeito simbólico: tenta condicionar o juízo constitucional ao clima político do momento.

Contudo, a história institucional italiana demonstra que esse tipo de movimento costuma produzir o efeito inverso.

A Corte Costituzionale, quando provocada diante de uma tentativa de interferência legislativa prévia ao seu julgamento, tende a reafirmar sua autoridade e a expandir a força de sua decisão.

A consequência prática é o fortalecimento da posição garantista e o enfraquecimento da tentativa de restrição.

Assim, o debate precipitado do DDL 1450 pode acabar sendo o catalisador de uma decisão ainda mais protetiva por parte da Corte, consolidando definitivamente a cidadania como direito fundamental imprescritível.

6. Conclusão: a hora é de cautela institucional, não de precipitação política

O DDL 1450 é um texto politicamente carregado e juridicamente frágil.

Sua tramitação agora, antes do julgamento da Corte Costituzionale, representa um erro de tempo, de método e de legitimidade.

O Parlamento está discutindo uma matéria cuja base jurídica está suspensa por controle de constitucionalidade.

Avançar neste contexto é desperdiçar energia legislativa e corroer a segurança jurídica dos cidadãos italianos no exterior.

Mais do que isso, é um sinal de desprezo institucional pelo papel da Corte como guardiã da Constituição.

A sabedoria republicana exige prudência, e a prudência exige espera.

Enquanto a Corte não falar, o legislador deveria silenciar.

“Antes que o Parlamento reescreva a cidadania italiana, é preciso que a Corte diga, de uma vez por todas, o que ela ainda é.

Cidadania não é concessão, é pertencimento.

E pertencimento não se revoga por decreto.”

Por Mariane Baroni

Advogada especializada em Direito Internacional e Constitucional

Diretora Jurídica da Master Cidadania

Autora da série “Você sabe exatamente o que está sendo discutido?”, dedicada a traduzir o debate constitucional italiano em linguagem acessível, sem perder o rigor técnico.

A série integra o projeto “A Constituição e a Cidadania”, que resultará no e-book homônimo a ser lançado após o julgamento da Corte Costituzionale Italiana.

Leia todos os artigos no blog da Master Cidadania

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