Por que a mídia errou ao noticiar o "fim da cidadania italiana"

Descubra tudo sobre cidadania italiana e portuguesa, além de guias completos, dicas práticas e curiosidades para você aproveitar o melhor da Itália, Portugal e de toda a Europa.Transforme seu sonho europeu em realidade com informações confiáveis e atualizadas.

Por que a mídia errou ao noticiar o "fim da cidadania italiana"

Por Mariane Baroni

Nos últimos dias, manchetes alarmistas tomaram conta das redes sociais e dos portais de notícias. "Itália pode revogar cidadania de descendentes." "Fim da cidadania italiana por sangue." "Quem mora fora da Itália pode perder o passaporte vermelho."

Nenhuma dessas frases é juridicamente correta. Todas nasceram de uma leitura apressada e superficial de um texto que ainda nem começou a tramitar de forma efetiva no Parlamento italiano: o Projeto de Lei n. 1450/2025.

A desinformação se espalhou rapidamente e criou um pânico desnecessário entre milhões de ítalo-descendentes. A verdade é mais simples e mais técnica do que as manchetes querem fazer parecer.

O que a mídia não explicou

O DDL 1450 não é uma nova lei e tampouco uma revogação dos direitos de cidadania. É apenas uma proposta legislativa, apresentada em abril de 2025, que sugere alterações adicionais na Lei n. 91/1992, norma que regula a aquisição e a perda da cidadania italiana.

O ponto mais polêmico está no artigo 11-bis, que prevê a perda da cidadania italiana por falta de vínculos efetivos com a República.

Na prática, isso significaria que italianos nascidos no exterior, com dupla nacionalidade, poderiam perder a cidadania se, após 25 anos, não demonstrarem conexões ativas com a Itália, como estar inscritos no AIRE (Anagrafe degli Italiani Residenti all'Estero), manter cadastros atualizados e exercer o voto nas eleições italianas.

A ideia é controversa, mas o ponto principal é outro: o projeto ainda não foi votado, nem sequer debatido em comissão parlamentar.

Trata-se de um texto isolado, dependente de uma estrutura legal que, neste momento, está sendo contestada judicialmente.

A dependência direta da Lei 74/2025

O DDL 1450 não surgiu do nada. Ele é um desdobramento político da Lei 74/2025, que converteu o Decreto-Lei 36/2025, conhecido como Decreto Tajani.

Essa lei introduziu o artigo 3-bis na Lei n. 91/1992, restringindo o direito ao reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis com base no local de nascimento e na geração de origem.

Em outras palavras, a Lei 74/2025 já tenta limitar o direito dos descendentes de italianos nascidos fora do território italiano.

Desde a sua aprovação, essa norma vem sendo amplamente contestada nos tribunais italianos, com dezenas de processos questionando sua constitucionalidade.

O caso mais emblemático é o do Tribunal de Torino, que em junho de 2025 remeteu à Corte Costituzionale uma questão de legitimidade sobre esse mesmo artigo 3-bis.

Ou seja, o fundamento jurídico que sustenta o DDL 1450 está sob julgamento.

Se a Corte declarar a inconstitucionalidade da Lei 74/2025, o projeto de lei 1450 perde automaticamente sua base legal, ele simplesmente deixaria de fazer sentido.

A pressa da política, o erro da imprensa

Discutir o DDL 1450 agora é juridicamente prematuro. É como debater o regulamento de um campeonato antes de saber se o jogo será autorizado.

Enquanto a Corte Costituzionale analisa a validade da própria Lei 74/2025, qualquer tentativa de avançar com o DDL 1450 é tecnicamente vazia.

Mesmo assim, parte da imprensa, especialmente fora da Itália, tratou o tema como fato consumado.

O resultado foi previsível: milhares de ítalo-descendentes assustados, acreditando que perderiam sua cidadania ou que seus filhos já estariam impedidos de reconhecê-la.

Esse tipo de comunicação não apenas desinforma, mas enfraquece a confiança pública nas instituições e gera pânico desnecessário.

A verdade é que o sistema jurídico italiano tem filtros e etapas claras. Nenhum cidadão perde direitos por manchete. Nenhuma mudança dessa magnitude acontece sem ampla tramitação e controle de constitucionalidade.

O que o DDL 1450 realmente representa

O projeto tem caráter político e simbólico, não prático. Ele reflete o mesmo movimento ideológico que motivou a Lei 74/2025, a tentativa de redefinir o conceito de pertencimento à nação italiana, afastando as gerações mais distantes da Itália territorial.

Na prática, é uma tentativa de ressignificar o que significa ser italiano, deslocando o centro do direito de sangue (ius sanguinis) para uma lógica de vínculo cultural ativo.

O problema é que essa redefinição colide diretamente com o artigo 22 da Constituição italiana, que protege a cidadania como direito inviolável e imprescritível.

Por isso, qualquer proposta que subordine a cidadania ao comportamento, à residência ou à manifestação política do indivíduo é, por natureza, inconstitucional.

O Estado pode incentivar vínculos, mas jamais pode condicionar a cidadania a eles.

O papel da Corte Costituzionale

Neste momento, o centro da discussão não está no Parlamento, mas na Corte Costituzionale.

Cabe à Corte decidir se a Lei 74/2025 respeita ou viola os princípios da Constituição de 1948, em especial os artigos 3 (igualdade), 22 (direito à cidadania) e 77 (limites ao uso do decreto-legge).

Essa decisão será determinante. Se a Corte confirmar a inconstitucionalidade da Lei 74/2025, todos os projetos baseados nela, incluindo o DDL 1450, caem junto.

Portanto, o verdadeiro debate jurídico de 2025 não é sobre um projeto futuro, mas sobre a validade da lei já vigente. É esse julgamento que definirá o futuro da cidadania italiana no mundo.

O problema do alarmismo

O alarmismo é sempre o terreno fértil da desinformação.

Ele transforma uma discussão constitucional sofisticada em um espetáculo de medo e ansiedade coletiva.

O resultado é o oposto do que deveria ser: em vez de promover consciência cívica, cria confusão e desconfiança.

A cidadania italiana não está em risco. O que está em curso é um debate constitucional legítimo, que precisa ser acompanhado com serenidade, análise técnica e compreensão histórica.

O papel da informação jurídica responsável

A advocacia e o jornalismo têm funções distintas, mas complementares. O advogado interpreta o direito, o jornalista o comunica.

Quando a informação é distorcida, o público perde a capacidade de agir racionalmente.

E é justamente aí que a desinformação se torna perigosa, não porque muda a lei, mas porque muda a percepção social sobre ela.

O cidadão informado é o primeiro guardião do Estado de Direito.

Por isso, antes de acreditar em qualquer manchete, é preciso perguntar: quem está falando com base em direito, e quem está apenas repetindo ruído?

Conclusão

O DDL 1450 ainda é apenas uma proposta.

A Lei 74/2025 está sob revisão da Corte Costituzionale.

E o direito à cidadania italiana permanece garantido pela Constituição de 1948, até prova em contrário.

A desinformação não altera o direito. O que altera o direito é a lei, e a lei, antes de tudo, deve respeitar a Constituição.

Leia o próximo artigo da série "Você sabe exatamente o que está sendo discutido?" e entenda tudo que está por trás do julgamento da inconstitucionalidade da Lei 74/2025 na Corte Costituzionale italiana.


Solicitar atendimento
Fale por WhatsApp